A tríade do indivíduo 2apt

Como somos?

2apt do artigo ‘Decisão em si-mesmo’ de Bacellart.

 

Utiliza-se o termo ‘indivíduo’ sem conotação de individualidade, como se houvesse uma cisão no coexistir com os outros entes. Nesse particular é preciso explanar o paradigma Winnicottiano, segundo o qual maturidade significa saúde (que se expressa no viver esperançoso, com sentido e que gera animada disposição para nele continuar), integração psique/corpo, temporalidade e auto governança (independência), em todos os aspectos. Quanto mais maduro o indivíduo, mais disposição prazerosa ele terá no existir e, em sendo assim, o amadurecimento é de suma importância para nossas decisões. Dito isso, como somos?

Se o desenvolvimento transcorre favoravelmente, o indivíduo torna-se capaz de …

negociar, aceitar o conflito como um fato, e abandonar as ideias extremas

da perfeição e do seu oposto, que tornam a existência intolerável.  (Winnicott, D, 1990, p 160).

Dada essa questão, há distinção entre ‘opções’: aquele que age por meio de escolhas ‘frágeis’ (o não maduro) porta-se crendo piamente em seu ‘poder’ de escolha, não aceita e não acolhe os tormentos da existência e tenta apenas usufruí-la. Não amadureceu ao ponto de elaborar um sentido de si no existir; é dependente e, como uma criança, vive na temporalidade estreitada do agora e na restrita ‘afetiva compreensão’ de si mesmo.

Já aquele que age prioritariamente por meio de decisões ‘estruturadas’ (o maduro), aceita e acolhe os tormentos da existência e a usufrui no que lhe seja possível. Amadureceu ao ponto de elaborar um sentido de si no existir; é independente, vive na temporalidade larga e na ampla ‘afetiva compreensão’ de si mesmo.

Conceitos que compõem a tríade:

Psique/sentido: os afetos, pensamentos e o agir, o indivíduo convivendo com todos e com tudo. Somos projetados, somos no por-vir em abertura de possibilidades, para onde sempre estamos caminhando, almejando benefícios (cuidando) e tendo a morte como horizonte final. Somos na relacionalidade de sentidos no existir; e se não for assim, adoecemos, nos limitamos e não nos movemos.

Quanto à angústia do indivíduo: para Winnicott, angústia advém de ‘uma quebra na continuidade do ser’, originando um medo não identificável. Para Heidegger, angústia é sem o ‘para o quê’, funda-se no ser pois nos remete ao inexorável ser-para-a-morte, que é o que há de mais democrático em nós e ao haver-se consigo. A angústia, de suma importância sobretudo em Heidegger não será melhor explorado.

O indivíduo é com os outros, com a fauna, com a flora, com os objetos e com a espiritualidade, ou seja, é coexistindo. Somos ‘indivíduo-com’, indissociados da convivência, pois sem ela não existimos, não há reconhecimento para tornar-se um ser real. Menções de vínculos afetivos com entes além de outros indivíduos: psicólogo para pets, acupunturista para planta, bonecas em holograma que são matrimoniadas.

A prevalência dos afetos:

No livro de Ser e Tempo de Heidegger, especificamente no parágrafo 29, vemos que as ‘tonalidades afetivas’ são nossa abertura primeva, nos levando a como apreendemos e lidamos no existir. A trajetória do indivíduo ao amadurecimento (que nunca cessa) se dá, sobretudo, nos afetos: ele os necessita, a seguir os deseja e, adiante, os quer. Afetividade no trabalho, nas ideologias, ideais, afeto com seu morrer e estabelecendo vínculos com todos e tudo. Essa supremacia dos afetos advém, sobretudo, da psique, mas também na relacionalidade na corporeidade e na concretude.

Corporeidade: Refere-se ao atendimento das demandas inerentes à nossa constituição bioquímica e física, engloba os instintos, o equilíbrio entre necessidades e desejo e a satisfação das carências vitais do corpo. Somos terráqueos, somos inundados por hormônios (medo, ataque e fuga), ‘forçados’ bioquimicamente a manter nossa sobrevivência e, por conseguinte, isso influencia nossas opções.

[…] “os homens, e não o homem, vivem na Terra e habitam o mundo… […] (Arendt, 2003, p 08).
[…]…o homem precisa ser apreendido não apenas enquanto corpo material, mas principalmente enquanto um fenômeno corporal, ou seja, enquanto expressividade, palavra e linguagem. […] (O corpo segundo Merleau-Ponty e Piaget, Ferreira, M. – 2010).

Concretude: o termo é aqui utilizado na forma do mais concreto possível, em sua materialidade e como algo que ‘existe no indivíduo’, no qual ele está imbricado, coexistente. Por necessitarmos habitar, estar com nós mesmo, conforto e segurança é preciso uma casa, mesmo que seja de papelão. Para nossa preservação precisamos estar vestidos e então usamos roupas, mesmo o indígena usa adereços e proteções corporais. Se não temos dinheiro, fazemos trocas de mercadorias; para nossa mobilidade precisamos de um piso para pisar os pés. Mesmo o astronauta está envolto em sua roupa, caminha sobre sua nave e busca referências nos corpos celestes. Nisto tudo trilhamos um calcar relacional com a psique, é o modo como somos: a concretude é intrínseca ao indivíduo.

“Uma casa, é, felizmente, o lugar de lugares conhecidos, da estabilidade, da rotina, da repetição, da mesmice.

Um lugar onde voltamos para nós mesmos. Acabo de me mudar, mas ainda não me sinto em casa.

Mudar não é simplesmente entrar num novo espaço, é habitá-lo. E habitar requer muitas coisas, como […]

redefinir distâncias e proximidades; refazer relações com a luz, o ar, os cheiros. Enfim, reaprender a ser”. (Critelli, D. Par 1- 2003).

     

A respeito dessa relação entre psique/sentido, corporeidade e concretude, temos como exemplo: um indivíduo, em sua casa, ri de uma anedota. A divisão entre os três não existe, eles coexistem, mas é proposto pensar assim com vistas a facilitar a análise; nessa situação relacional, assim é:

No âmbito da psique/sentido: a ‘afetividade compreendedora’ da piada; o sabor na perspicácia de sua refinada criatividade, a comicidade.

No âmbito da corporeidade: o corpo ri por inteiro, se movimenta.

No âmbito da concretude: a espacialidade acontecencial sui generis.

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